A descoberta da sexualidade e das desilusões na adolescencia são momentos muito marcantes. Transcrevo a seguir, um conto meu, baseado nessa fase inesquecivel da vida.
DESCOBERTA - Conto
O menino olhou pela janela, a rua. Anoitecendo em frio de junho, um vento nublando a vidraça, a respiração em oh, o pequeno dedinho fazendo um coração molhado no vidro. Pela porta entreaberta do quarto ele via a mãe, sentada no banquinho da penteadeira, loura, nuca de veludo, um colar de contas escuras, uma gota de perfume nos pulsos. Desviou o olhar para ver o relógio da sala, quase a hora do pai entrar, de gravata torta e cara de quem tinha trabalhado mais do que devia.
Já sabia – ele entrava, daí jogava o paletó na poltrona e ligava a televisão, mal dava um beijo na mãe e já pedia a janta. Passava horas lá naquele sofá, tirando as roupas de hora em hora: primeiro os sapatos, depois as meias para remexer os dedos peludos do pé no tapete. Depois puxava a gravata num safanão e desabotoava o resto da camisa, alisando a barriga de cerveja. Isso sem desviar a cara da televisão, rindo, falando com o cara do noticiário, estalando a língua com cara de bobo pra atriz da novela das oito. A mãe trazia o prato que ele devorava, ás vezes sem saber o que estava comendo, rapidamente. Se levantava um pouco para sacudir as migalhas das calças e sentava de novo. A mãe ia e vinha, cheirando forte aquele perfume que ele nem notava – traz água, leva meu sapato pro quarto, esse arroz tá frio, esquenta.
O menino ficava sentado no outro sofá, olhando a TV e acompanhando as voltas da mãe pela casa, ás vezes fingia que lia um gibi, rabiscava um papel. Dez horas o pai lembrava dele: - Vai dormir garoto, amanhã é dia de branco.
Deitava na cama mas ficava de olho aberto no teto, escutando a televisão da sala, os passos medidos da mãe, um espirro, as mudanças de canal. Até o clic final, os dois meio mudos, bocejos, o pai falando sozinho, o boa noite da mãe, quase um sussurro.
Ás terças e quintas, o pai mandava o menino mais cedo pra cama, fechava a porta com o trinco. Alguns gemidos abafados, um enroscar de lençol, cama balançando. Mas por minutos. Depois o silêncio.
Numa noite de sexta-feira, o menino viu a mãe se pintando toda, um batom vivo, cílios enegrecidos, o perfume mais forte. Enquanto o pai olhava a televisão, ela se arrumando de pouquinho, agitada – pra quê ? Depois botou a camisola, deu aquele boa noite sussurrado e foi pra cama. Quase meia-noite o pai levantou do sofá, foi pro banheiro arrastando o corpo pesado, o menino espiou pelo corredor. Fingiu que ia beber água, descalço no escuro, a luz da geladeira, ficou parado no meio da cozinha com o copo na mão. O ronco do pai ecoava estranho, o menino sorriu lembrando da revista, passada por baixo da carteira da escola: -Mulher pelada!...leva pra casa depois devolve.
Entrou pela sala meio sem rumo, esbarrando nas coisas, foi direto pro sofá, levantou a almofada do assento e apanhou a revista. Sentou debaixo da janela, onde um pouco da luz da rua fazia um facho. A primeira estava de joelhos, suspendendo o cabelo negro pra cima, boca de muitos dentes, no meio a língua rosada. Tinha a loura de quatro e uma outra, escurinha com alguns colares descendo até o umbigo. O menino respirava apressado, o medo, uma cócega descendo pelo estômago, coisa proibida. Desceu a mão pelo sexo, a porta do quarto se abriu, um vulto passou carregando os sapatos na mão.
O menino escorregou rápido atrás do sofá, a revista dobrada no meio das pernas, o coração pulando. A mãe num vestido vermelho e brincos de pingente, os pés na meia
de nylon pisando de leve no assoalho. Girou a chave colocando os sapatos de salto, olhou de relance pela sala, sorrindo um sorriso meio aberto, esquisito. Saiu como um vento, deixando só o perfume. O menino sentiu vontade de chamar, levantar num salto repentino, embriagado pelo perfume doce, mas alguma coisa ruim dizia que ele devia ficar ali, escondido. Espiou pela janela a mãe descendo a rua, sozinha, andando bem devagar até parar na esquina, onde um carro preto abriu a porta e ela entrou.
Ficou na janela ainda um tempão, desenhando no vidro com o dedo, um montão de coração com flecha.
Mariza Vitória Pettinelli