sábado, 5 de dezembro de 2009

A BONEQUINHA HOLANDESA


Tinhamos uma Tia - na realidade Tia de meu pai, irmã de minha avó - muito especial, a Tia Célia. Uma pessoa vibrante, sociavel, viajada, enfim destacada para a época.
Era "amigada" com um homem que fora casado, e que segundo as más linguas,o havia tirado da esposa. Tudo nela surpreendia, pois era "além" do tempo em que vivia.
Falante e alegre, usava uns sapatos de amarrar meio masculinos, cabelos crespos bem curtos e óculos com lentes verdes escuras. Era uma bonita mulher, uma figura que se fazia notar por onde passasse.
Colecionava quadros belissimos em seu apartamento no Largo do Arouche, onde recebia amigos para conversas e saraus.
Ela e seu amor, viajaram pela Europa numa época, onde os cruzeiros maritimos eram mais escassos e muito mais fascinantes.
Falava-se muito em um navio de bandeira italiana - o "Conte Grande" - cujo apito forte no porto de Santos jamais vou esquecer.
Pois bem,dessa viagem ela trouxe muitas coisinhas, lembranças, perfumes, roupas.
E historias, muitas historias.

Nos anos que se seguiram,ela perdeu seu companheiro e foi morar sózinha num apartamento simples, no alto do Ipiranga. Para lá levou os quadros, as joias e suas belas lembranças de um tempo com vivencias maravilhosas.
A ultima vez que fui visita-la, ela me abraçou comovida e notei que chorava, como numa despedida. Algumas semanas depois, morreu atropelada na porta de casa.
Todos os seus bens ( os mais valiosos ) sumiram, surrupiados por pessoas da familia que tinham acesso ao seu apartamento. Em choque, fui com minha avó ver o que havia restado, alguns caixotes de roupas e sapatos, e pequenos bibelots jogados sobre um móvel.Minha avó chorosa perguntou-me se eu queria alguma lembrança. Dai eu vi a pequena boneca holandesa de cerâmica - na realidade um saleiro - e me encantei com sua delicadesa.

Coloquei-a num aparador da minha cozinha, e olho para ela todo dia quando acordo, no café da manhã.
Realinhando meus pensamentos e planos para o dia e buscando respostas, meu olhar sem querer sempre encontra essa figurinha imóvel, com seu capuz amarelo, cada dia me observando de um jeito. E incrivelmente, quando olho para a bonequinha holandesa, parece que sempre respostas encorajadoras e amorosas vem á minha mente.
Como se Tia Celia tivesse deixado um recado de encantamento nela. Sorrio achando sempre que "viajo" buscando pequenos sinais para começar bem o meu dia.
Mas no fundo, tenho a certeza que a bonequinha holandesa me inspira otimismo e coragem...

Nenhum comentário: