quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

UMA HISTORIA VERDADEIRA



Quando eu comecei a escrever em meados da década de 70, inspirei-me em varios autores: Ligia Fagundes Telles, Jorge Amado,Domingos Pellegrini Jr, Clarice Lispector. Era tão apaixonada por Literatura que segui a Faculdade de Letras, idealizando ser um dia uma nobre professora neste Pais. Mas como todos os meus caminhos e planos tomaram outros rumos, acabei ficando como uma "contadora" de historias, cronicas, contos e poesias anotados em incontáveis cadernos...sendo que alguns foram publicados em Jornais e revistas.
Tenho registrados em mim, alguns contos belissimos, como esse que fala de Natal, da Clarice Lispector, que transcrevo a seguir.

"VIA CRUCIS "
Clarice Lispector

Maria das Dores se assustou. Mas se assustou de facto. Começou pela menstruação que não veio. Isso a surpreendeu porque ela era muito regular. Passaram-se mais de dois meses e nada. Foi a uma ginecologista. Esta diagnosticou uma evidente gravidez.

— Não pode ser! gritou Maria das Dores.

— Por quê? a senhora não é casada?

— Sou, mas sou virgem, meu marido nunca me tocou. Primeiro porque ele é homem paciente, segundo porque já é meio impotente.

A ginecologista tentou argumentar:

— Quem sabe se a senhora em alguma noite...

— Nunca! mas nunca mesmo!

— Então, concluiu a ginecologista, não sei como explicar. A senhora já está no fim do terceiro mês.

Maria das Dores saiu do consultório toda tonta. Teve que parar num restaurante e tomar um café. Para conseguir entender.

O que é que estava lhe estava acontecendo? Grande angústia tomou-a. Mas saiu do restaurante mais calma.

Na rua, de volta para casa, comprou um casaquinho para o bebé. Azul, pois tinha certeza que seria menino. Que nome lhe dana? Só podia lhe dar um nome: Jesus.

Em casa encontrou o marido lendo jornal e de chinelos. Contou-lhe o que acontecia. O homem se assustou:

— Então eu sou São José?

— E, foi a resposta lacónica.

Caíram ambos em grande meditação.

Maria das Dores mandou a empregada comprar as vitaminas a ginecologista receitara. Eram para o benefício de seu filho. Filho divino. Ela fora escolhida por Deus para dar ao mundo o novo Messias.

Comprou o berço azul. Começou a tricotar casaquinhos e a fazer fraldas macias.

Enquanto isso a barriga crescia. O feto era dinâmico: dava-lhe violentos pontapés. Às vezes ela chamava São José para pôr a mão na sua barriga e sentir o filho vivendo com forca. São José então ficava com os olhos molhados de lágrimas. Tratava-se de um Jesus vigoroso. Ela se sentia toda iluminada. A uma amiga mais íntima Maria das Dores contou a história abismante. A amiga também se assustou:

— Maria das Dores, mas que destino privilegiado você tem!

— Privilegiado, sim, suspirou Maria das Dores. Mas que posso fazer para que meu filho não siga a via crucis?

— Reze, aconselhou a amiga, reze muito.

E Maria das Dores começou a acreditar em milagres. Uma vez julgou ver de pé ao seu lado a Virgem Maria que lhe sorria. Outra vez ela mesma fez o milagre: o marido estava com uma ferida aberta na perna, Maria das Dores beijou a ferida. No dia seguinte nem marca havia.

Fazia frio, era mês de Julho. Em Outubro nasceria a criança.

Mas onde encontrar um estábulo? Só se fosse para uma fazenda do interior de Minas Gerais. Então resolveu ir a fazenda da tia Mininha. O que a preocupava é que a criança não nasceria em vinte e cinco de Dezembro. Ia à igreja todos os dias e, mesmo barriguda, ficava horas ajoelhada. Como madrinha do filho escolhera a Virgem Maria. E para padrinho o Cristo. E assim foi se passando o tempo. Maria das Dores engordara brutalmente e tinha desejos estranhos. Como o de comer uvas geladas. São José foi com ela para a fazenda. E lá fazia seus trabalhos de marcenaria. Um dia Maria das Dores empanturrou-se demais – vomitou muito e chorou. E pensou: começou a via crucis do meu sagrado filho. Mas parecia-lhe que, se desse a criança o nome de Jesus, ele seria, quando homem, crucificado. Era melhor dar-lhe o nome de Emmanuel. Nome simples. Nome bom.

Esperava Emmanuel sentada debaixo de urna jabuticabeira. E pensava:

- Quando chegar a hora, não vou gritar, vou só dizer: ai Jesus!

E comia jabuticabas. Empanturrava-se a mãe de Jesus.

A tia — a par de tudo — preparava o quarto com cortinas azuis. O estábulo estava ali com seu cheiro bom de estrume e suas vacas. De noite Maria das Dores olhava para o céu estrelado a procura da estrela-guia. Quem seriam os três reis magos? quem lhe traria Incenso e mirra? Dava longos passeios porque a médica lhe recomendara caminhar muito. São José deixara crescer a barba grisalha e os longos cabelos chegavam-lhe aos ombros. Era difícil esperar. O tempo não passava. A tia fazia-lhes, para o café da manhã,, brevidades que se desmanchavam na boca. E o frio deixava-lhes as mãos vermelhas e duras.

De noite acendiam a lareira e ficavam sentados ali a se esquentarem. São José arranjava para si um cajado. E, como não mudava de roupa, tinha um cheiro sufocante. Sua túnica era de estopa. Ele tomava vinho junto da lareira. Maria das Dores tomava grosso leite branco, com o terço na mão.

De manhã bem cedo ia espiar as vacas no estábulo. As vacas mugiam. Maria das Dores sorria-lhes. Todos humildes vacas e mulher. Maria das Dores a ponto de chorar. Ajeitava as palhas no chão, preparando lugar onde se deitar quando chegasse a hora. A hora da iluminação.

São José, com o seu cajado, ia meditar na montanha. A tia preparava lombinho de porco e todos comiam danadamente. E a criança nada de nascer.

Até que numa noite, as três horas da madrugada, Maria das Dores sentiu a primeira dor. Acendeu a lamparina, acordou São José, acordou a tia. Vestiram-se. E com um archote iluminando-lhes o caminho, dirigiram-se através das árvores para o estábulo. Uma grossa estrela faiscava no céu negro.

As vacas, acordadas, ficaram inquietas, começaram a mugir Daí a pouco nova dor. Maria das Dores mordeu a própria para não gritar. E não amanhecia.

São José tremia de frio. Maria das Dores, deitada na palha, um cobertor, aguardava.

Então veio urna dor forte demais. Ai Jesus, gemeu Maria das Dores. Ai Jesus, pareciam mugir as vacas.

As estrelas no céu.

Então aconteceu.

Nasceu Emmanuel.

E o estábulo pareceu iluminar-se todo.

Era um forte e belo menino que deu um berro na madrugada.

São José cortou o cordão umbilical. E a mãe sorria. A tia chorava.

Não se sabe se essa criança teve que passar pela via crucis. Todos passam.

Clarice Lispector

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O GATO PRETO


Se você achar um pêlo branco num gato preto, terá boa sorte.
Se você chutar um gato, terá reumatismo naquela perna.Na idade média, acreditava-se que os gatos eram bruxas transformadas em animais. Por isso a tradição diz que cruzar com gato preto é azar na certa. Os místicos, no entanto, têm outra versão. Dizem que quando um gato preto entra em casa é sinal de dinheiro chegando!
Os primeiros povos a atribuir uma aura mística ao gato foram os egípcios que o idolatravam, tendo mesmo um deus com a sua forma física, Bast. Em honra desta divindade, os egípcios mantinham gatos pretos nas suas casas e davam-lhes honras reservadas.

O meu gato preferido é um felino negro com uma pinta branca no formato de um coraçãozinho, bem no peito. Foi achado na rua, mais vivo do que morto e ficou 15 dias no soro do veterinário.

Aliás,o veterinário reafirmou que os gatos pretos são os mais inteligentes e carinhosos ( talvez uma mutação genética por serem os mais rejeitados).E isso é a pura verdade! O Carlson ( nome sueco apropriado para um negão) é muito carinhoso, conversa com seus miados lânguidos, fazendo uma corcova com o corpo,feito um dromedário. Adora beber água corrente e comer peito de peru.
Mas tem uma postura elegante e altiva, como todos os gatos.

Gato só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele depende, é chamado de arrogante, egoísta,falso.

"Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor.

Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser. O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. O gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente, é capaz de amar muito. Discretamente, porém, sem derramar-se. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A PAZ


A primeira vez que tive contato com a guerra, foi aos 10 anos quando meu avô me levou numa visita a um casal de amigos judeus. Muito carinhosos, nos serviram café e chá, com biscoitos feitos por ela, uma senhora baixinha de cabelos grisalhos e um chale bege nos ombros. Quando ela me estendeu o prato de doces, vi o numero tatuado em seu antebraço, e como toda criança ingenua perguntei o que era aquilo.Um silencio de alguns segundos e ela respirou fundo. A pergunta não foi respondida, continuaram na conversa deles sem me darem atenção. Mais tarde em casa,meu avô contou algumas passagens deles no campo de concentração e eu ouvi estarrecida, que eles bebiam urina de cavalo para matar a sede. Aquilo me deixou atonita, não pude compreender direito o porque da guerra e como toda criança, dali alguns minutos ja tinha esquecido o assunto e fui brincar.

Adolescente vi cenas da guerra do Vietnam ( a guerra que matou o orgulho americano) e pude compartilhar mais ativamente da indignação da minha geração, a geração dos protestos.Uma certeza ja abrangia meu coração: na guerra todos saem derrotados!

Na semana passada vi tanques subindo ladeiras nos morros do Rio de Janeiro, uma guerra urbana para tomada de território.Sobre o futuro do Rio de Janeiro e de tantas outras capitais e cidades importantes de nosso Brasil existe uma incógnita, que só poderá ter uma resposta nos próximos anos, em face das providências e das soluções práticas que poderiam ser tomadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil.

Nenhum motivo explica a guerra. Nem a sede de poder. Nem o medo de perder,nem a ira. Nem a mentira,nem a conquista territorial. É preciso aproveitar os momentos de crise para fomentar a reflexão sobre o autêntico destino da humanidade e de cada ser humano. Reconhecer todas as filosofias da vida que se baseiam em motivações positivas, sobretudo quando são enraizadas entre os povos. A paz é possivel.